No dia 28 de agosto de 1900, o grupo fundou o
Centro Espírita "Fé e Amor", com Joaquim
Gonçalves de São Roque (médium de efeitos
físicos, dirigente das seções de "mesas girantes"), José Ferreira da Cunha (vidente), João Candido (médium de cura), Luiz Ferreira da Cunha e João Pereira (médiuns de cura), Mariano da Cunha
Júnior (médium medicinal e de efeitos físicos), Jason Ferreira da Cunha e Aristides de Oliveira, dois mestiços analfabetos que trabalhavam na fazenda, dotados de varias mediunidades. Havia também senhoras, como a senhora Emerenciana Euzébia, (Dona Sana), afilhada de Eurípedes, médium de
efeitos físicos e de cura. Os participantes eram praticamente todos ligados por parentesco.
O Centro Espírita " Fé e Amor" (a primeira instituição espírita dessa região) era dirigido de maneira eficaz pelo médium Delfim Pereira da Silva, que aplicava passes magnéticos e ajudava gratuitamente doentes, graças a sua farmácia homeopática. João Candido e Mariano da Cunha Júnior recebiam as receitas por psicografia.
Os agricultores vizinhos e suas famílias freqüentavam as reuniões, ricas em fenômenos. Apesar da distância, algumas pessoas de Sacramento as freqüentavam igualmente, como Frederico Peiró e os três irmãos espanhóis Abdon, Alonso e Maximino Alonso. Estes últimos contribuíram muito na divulgação do Espiritismo na região de Sacramento. Encontram-se ainda vestígios das obras espíritas de Peiró na estação de Paineiras (rebatizada Peirópolis, em homenagem a seu trabalho pelo desenvolvimento do lugar), em Sacramento, em Santa Maria , em Mangabeira e em Uberaba.
Até então, Eurípedes não se interessava pelo que ocorria em Santa Maria. Sabia somente que vários parentes tinham se tornado espíritas, como seu tio João Pereira de Almeida.
Eurípedes tinha, no entanto, uma afeição especial por um deles: seu tio Mariano da Cunha Júnior, que não era muito culto, mas era inteligente e bom. Ele tinha sido materialista, mas desenvolveu sua mediunidade e mudou-se para Santa Maria. Toda vez que vinha a Sacramento, ele se hospedava na casa de Seu Mojico, onde Eurípedes lhe cedia seu quarto e sua cama de ferro. Sabendo que seu tio tinha se convertido ao Espiritismo, que era difamado pela igreja como sendo uma "doutrina de Satã", Eurípedes, que era católico praticante, perguntou-lhe:
- O senhor, que era materialista, agora aderiu a essa doutrina. Como isso é possível?
Por uma estranha coincidência, Mariano da Cunha Júnior tinha em sua mão o livro "Após a Morte" de Léon Denis, e lhe respondeu calmamente:
- São coisas do destino, caro sobrinho. Não conheço muito bem o Espiritismo para te responder corretamente, você que é um jovem culto e inteligente. Mas como você gosta de ler, recomendo este livro. Leia-o com atenção e veja se o Espiritismo é uma doutrina de Satã. Este livro não nos deixa loucos, realmente não - acrescentou Mariano da Cunha Júnior sorrindo e dando o livro a seu sobrinho. Eurípedes pegou o livro, folhou-o e leu ao acaso as palavras de Léon Denis:
"Aos nobres e grandes Espíritos que me revelaram o mistério augusto do destino, a lei do progresso na imortalidade, cujos ensinamentos firmaram em mim o sentimento da justiça, o amor da sabedoria, o culto ao dever, cujas vozes dissiparam em mim as dúvidas, acalmaram minhas preocupações, às almas generosas que me sustentaram na luta, consolando-me nas provações, que elevaram meus pensamentos até as alturas luminosas onde reside a verdade, dedico estas páginas."
- Curiosa, esta dedicatória, salientou Eurípedes, olhando seu tio.
Depois, ele passou a noite lendo o livro de Léon Denis. Admirou seu estilo fluido, sonoro e elegante. Os conceitos filosóficos sobre a vida e a morte o surpreenderam, parecendo-lhe absolutamente corretos. A reencarnação pareceu-lhe como a única explicação racional dos desequilíbrios físicos, morais e sociais. O destino do ser humano no além não era mais um enigma indecifrável.
O livro iluminado de Denis foi para ele uma revelação fantástica! Escrito sob uma lógica de ferro, quem poderia refutá-lo sem sofisma?
Após esta descoberta, da doutrina espírita, o catolicismo lhe parecia um conto de fadas. Ao devolver a obra a Mariano, Eurípedes lhe disse:
- Meu tio, não esperava isso! Este livro é excelente!
- Fique com ele, é um presente.
Eurípedes releu-o mais calmamente.
Na segunda leitura, sua alma vibrou. Na primeira vez, não pensava em ir além das páginas iniciais, mas acabou lendo as quatrocentas páginas. A segunda leitura consolidou a primeira impressão. Ele aceitou naturalmente os princípios espíritas, sem opor nenhuma barreira! Para continuar católico, não restava senão uma solução: provar que o fenômeno espírita não existia e, conseqüentemente, o livro de Léon Denis era um sonho filosófico, apesar de sua lógica!
Alguns dias mais tarde, Mariano da Cunha Júnior voltou a Sacramento e disse a Eurípedes: - Você deveria ir a Santa Maria assistir a uma seção de comunicações dos Espíritos que utilizam, entre outras coisas, uma mesinha de três pés. Recebemos belíssimas mensagens. - É o que minha querida tia Sana me diz sempre. Aceito seu convite! Gostei do livro de Léon Denis e o li duas vezes. Agora, somente os fatos me provarão a veracidade da doutrina espírita, que me parece extraordinariamente evangelizadora. - Quando você quer ir? - Na semana que vem, se possível. - Você ficará surpreso ao ouvir Jason ou Aristides, em transe, comentar as parábolas do Evangelho. Você verá coisas notáveis em Santa Maria. Alguns dias mais tarde, Eurípedes e Mariano foram a cavalo à Santa Maria, conversando sobre os aspectos da doutrina espírita. Quando lá chegaram, a enorme porta rústica da casa de Honorato Ferreira da Cunha tinha já sido retirada do batente e colocada sobre dois cavaletes, no meio da sala, à guisa de uma mesa. A seção começou por uma prece emocionante de Delfim Pereira da Silva, que dirigia a seção. Mariano da Cunha Júnior caiu em transe e o espírito do doutor Bezerra de Menezes cumprimentou os assistentes e disse: - Enfim entre nós, Eurípedes Barsanulfo, que Deus seja louvado! Rejubila-te, meu filho, pois tua hora é chegada. Está entre nós um Espírito muito elevado que deseja te falar. Devo me retirar. Uma outra entidade se manifestou então, por intermédio de Mariano da Cunha Júnior. - De quem se trata? Pensou Eurípedes. O Espírito capta seu pensamento.
- Sou teu espírito protetor.
- Como o senhor se chama?
- Em minha última existência na Terra, me chamei Vicente de Paulo.
- São Vicente de Paulo?
- Sim, tu e eu, Eurípedes, somos amigos de outras vidas, muitas vidas! Na França, já fostes eclesiástico, médico e professor. Agora, tu tens uma missão importante no Brasil. O livro de Léon Denis relembrou-te os ensinamentos... Tu sabes agora que a verdade pregada por Jesus não estpa verdadeiramente no catolicismo. Bem, meu filho, mesmo que a confraria de São Vicente de Paulo leva meu nome, afasta-te dela. É meu primeiro conselho. Não esconda tua nova convicção religiosa. Ao contrário, divulgue-a aos quatro ventos, é meu segundo conselho. Nada tema, pois eu te assisto desde quando nascestes.
- Qual é minha missão? Perguntou Eurípedes, meio surpreso, meio emocionado.
- Os Espíritos do Senhor realizarão diversos trabalhos contigo. A caridade, meu filho, é nossa bandeira. O trabalho de base será o de curar e Bezerra de Menezes te ajudará. Tudo está planejado e, na verdade, Jesus é nosso guia.
São Vicente de Paulo se retirou, Jason caiu em transe e um Espírito Protetor, falando em francês com muita desenvoltura, exortou o amor ao próximo. Depois, foi a vez de o mestiço Aristides entrar em transe e transmitiu uma bela mensagem de explicação sobre o Sermão do Monte, passagem do Evangelho que Eurípedes não tinha ainda compreendido o profundo significado.
Eurípedes não esperava tantas maravilhas espirituais e não tinha ainda acabado. A mesa de três pés transmitiu mensagens filosóficas através de batidas, deslocou-se sem contato pela sala, subiu e desceu degraus. Eurípedes, ouviu vozes que vinham tanto do forro, quanto das paredes, as vezes muito perto de sua orelha. A noite foi generosa, as provas de comunicação dos espíritos se multiplicaram. Mentalmente, Eurípedes fez uma prece e percebeu que de repente seu espírito de desligou do corpo. Quis avisar Mariano da Cunha Júnior, mas em vão. Ele sentia-se mole, atordoado e não podia articular nenhuma palavra.
Pálido, colocou a cabeça sobre a mesa. Deixou-se ir, concentrando seu pensamento em Jesus. Seu espírito se ausentou longos minutos e Delfim Pereira da Silva aplicou passes sobre seu copo inerte.
Por humildade, Eurípedes não revelou a ninguém o que viu no mundo espiritual.
Naquela noite, várias faculdades mediúnicas se revelaram, que iriam se desenvolver em seguida: a clarividência, a clariaudiência, a psicofonia, a psicografia, os efeitos físicos, a cura e o desdobramento.
No final da seção, Eurípedes lembrou-se da mensagem sobre o Sermão do Monte. Abraçou Mariano da Cunha Júnior e pediu-lhe desculpas.
- Por que essas desculpas se tu nunca me ofendeste? Tens um grande coração!
- Eu sempre ironi
- Claro.
Eurípedes pediu então a Mariano que o acompanhasse em seguida à casa de Carlos.
- Por que queres ver Carlos tão tarde? É preciso atravessar dois quilômetros de mata
- É preciso. Depois de tudo o que vi durante a seção, não dormirei em paz se não for lá. Acompanhe-me, meu tio.
Depois, levando cada um uma lanterna a querosene, caminharam dentro da noite.
Carlos morava num casebre. Eurípedes bateu. Surpreso, Carlos abriu a porta com uma vela na mão. Estava muito doente.
Eurípedes fez então um gesto surpreendente: beijou seu rosto e suas mãos e reconfortou-o com passagens do Evangelho. Depois, retomou o caminho de volta.
- Agora estou satisfeito,meu tio!
- São Vicente de Paulo disse que tu devias ser um missionário. Tivestes a coragem de beijar um leproso.
- Eu desejava sempre visitar Carlos em Santa Maria , mas tinha medo das feridas de seu rosto e de suas mãos. Agora, tudo bem!
Seguindo o conselho dos amigos espirituais, Eurípedes não retornou a Sacramento no dia seguinte, como tinha previsto. Ele devia ficar alguns dias em Santa Maria para recuperar a energia gasta naquela fantástica noite mediúnica, que ele nunca mais esqueceu!
[1] Testemunho de Ranulfo Gonçalves da Cunha, filho de Mariano da Cunha Júnior
[2] Mariano da Cunha Júnior (Sinhô Mariano) iniciou Eurípedes no Espiritismo. Nascido em Sacramento em 19 de novembro de 1875, desencarnou em 27 de abril 1949, em Santa Maria. Ele participava, desde 1898, dos trabalhos mediúnicos em Santa Maria e foi um dos fundadores do Centro Espírita "Fé e Amor". Casou-se com Herondina Djanira da Cunha, uma da primeiras mulheres espíritas de Sacramento.
[3] Frederico Peiró nasceu em Linhares, Espanha. Na sua juventude, imigrou para a Argentina (Buenos Aires), onde viveu dois anos. Em 1892, instalou-se em Uberaba e não deixou mais o Brasil. Tornou-se espírita em 1893, participando em Uberaba de reuniões na casa do advogado e coronel Antonio Cesário da Silva Oliveira. Sua sensibilidade artística o orienta em direção à pintura. Casou-se em 1902 com Maria Mendonça Rezende, nascida em Sacramento e também espírita. O casal teve cinco filhos. Frederico Peiró desencarnou em 1914 e tem ainda alguns descendentes em Peirólopolis.
Testemunho de Ranulfo Gonçalves da Cunha, filho de Mariano da Cunha Júnior
Mariano da Cunha Júnior (Sinhô Mariano) iniciou Eurípedes no Espiritismo. Nascido em Sacramento em 19 de novembro de 1875, desencarnou em 27 de abril 1949, em Santa Maria. Ele participava, desde 1898, dos trabalhos mediúnicos em Santa Maria e foi um dos fundadores do Centro Espírita "Fé e Amor". Casou-se com Herondina Djanira da Cunha, uma da primeiras mulheres espíritas de Sacramento.
Frederico Peiró nasceu em Linhares, Espanha. Na sua juventude, imigrou para a Argentina (Buenos Aires), onde viveu dois anos. Em 1892, instalou-se em Uberaba e não deixou mais o Brasil. Tornou-se espírita em 1893, participando em Uberaba de reuniões na casa do advogado e coronel Antonio Cesário da Silva Oliveira. Sua sensibilidade artística o orienta em direção à pintura. Casou-se em 1902 com Maria Mendonça Rezende, nascida em Sacramento e também espírita. O casal teve cinco filhos. Frederico Peiró desencarnou em 1914 e tem ainda alguns descendentes em Peirólopolis.